Poderia afirmar, com uma elevada dose de egoísmo e auto-comiseração, que a minha vida já teve a sua dose de azares.
Mas não, isso é a história do bandido. Sei que os azares foram de quem a vida forçou a partida, não meus que fiquei, que sobrevivi, e que tive de adquirir a necessária resiliência que me tornou resistente, que me endureceu o couro. Que me fez olhar para as coisas de forma diferente, que me fez valorizar a vida e os seus momentos em vez dos pedaços materiais de que é feita e que tanto gostamos ou idolatramos. Que me fez relativizar o passado e a não viver de fantasmas.
Talvez pelo que passei tenha ficado mais receptivo a lidar com a loucura dos outros, assumindo que eu sou tão terrivelmente normal que essa normalidade poderá ser vista como anormal e, partindo dessa premissa, a conclusão óbvia é que sou mais louco que os loucos, afirmando, sem rebuço ou pudor que sou louco. Há quem acredite.
Lembro-me, no entanto, que nisto de premissas e silogismos é preciso colocar alguma ponderação e cuidado. Veio-me à memória o meu saudoso professor de Filosofia no liceu que nos repetia que uma cadeira tem braços, os braços têm mãos, as mãos têm unhas e se quem tem unhas toca guitarra a minha cadeira poderia ser uma virtuosa da viola... Mas não é.
Por isso, o facto de eu ser terrivelmente normal não significa que a minha aceite e reconhecida forma de insanidade seja uma competência para melhor compreender a “loucura”.
É por isso que existem pedaços de loucura que sempre me apanham desprevenido. Aliás, a minha normalidade parece exercer uma irresistível atracção sobre a loucura. Não enjeito a culpa que posso ter nesse departamento.
Vem isto a propósito de uma conversa com um amigo, queixando-se da sua vida, que me lembrou que a minha primeira vocação e actividade era, afinal, a de homem do lixo.
Eu explico.
Imaginem alguém que entra em vossa casa cheia de sacos com lixo que anda a transportar há muito tempo. Pede desculpa. Coloca os sacos no chão, fica um bocadinho e vai-se embora deixando-me o lixo.
Parece estranho mas acontece e o mais curioso é que, quase a atingir as seis dezenas de anos, ainda não aprendi e ainda deixo que entrem na minha vida e me ponham a limpar a confusão e o lixo que arrastam, saindo depois livres, limpas e de consciência leve, deixando-me o estrénuo trabalho de limpar e voltar a organizar os espaços que ocuparam dentro de mim.
Técnico de salubridade e resíduos de “anima”, é o que sou. Sem recompensa. Sem reconhecimento. Trabalho duro, sujo e mal pago.
Mas chato, mesmo chato, é depois de me deixarem o lixo e todo desarrumado, saírem com ar “blasé” e olhar reprovador dizendo que eu é que sou um gajo complicado...
Ah, pois... Sou são, grita o louco. Ai! Sou louco, grita o são.
Haverá por aí alguém com a dose certa de loucura?
Mas não, isso é a história do bandido. Sei que os azares foram de quem a vida forçou a partida, não meus que fiquei, que sobrevivi, e que tive de adquirir a necessária resiliência que me tornou resistente, que me endureceu o couro. Que me fez olhar para as coisas de forma diferente, que me fez valorizar a vida e os seus momentos em vez dos pedaços materiais de que é feita e que tanto gostamos ou idolatramos. Que me fez relativizar o passado e a não viver de fantasmas.
Talvez pelo que passei tenha ficado mais receptivo a lidar com a loucura dos outros, assumindo que eu sou tão terrivelmente normal que essa normalidade poderá ser vista como anormal e, partindo dessa premissa, a conclusão óbvia é que sou mais louco que os loucos, afirmando, sem rebuço ou pudor que sou louco. Há quem acredite.
Lembro-me, no entanto, que nisto de premissas e silogismos é preciso colocar alguma ponderação e cuidado. Veio-me à memória o meu saudoso professor de Filosofia no liceu que nos repetia que uma cadeira tem braços, os braços têm mãos, as mãos têm unhas e se quem tem unhas toca guitarra a minha cadeira poderia ser uma virtuosa da viola... Mas não é.
Por isso, o facto de eu ser terrivelmente normal não significa que a minha aceite e reconhecida forma de insanidade seja uma competência para melhor compreender a “loucura”.
É por isso que existem pedaços de loucura que sempre me apanham desprevenido. Aliás, a minha normalidade parece exercer uma irresistível atracção sobre a loucura. Não enjeito a culpa que posso ter nesse departamento.
Vem isto a propósito de uma conversa com um amigo, queixando-se da sua vida, que me lembrou que a minha primeira vocação e actividade era, afinal, a de homem do lixo.
Eu explico.
Imaginem alguém que entra em vossa casa cheia de sacos com lixo que anda a transportar há muito tempo. Pede desculpa. Coloca os sacos no chão, fica um bocadinho e vai-se embora deixando-me o lixo.
Parece estranho mas acontece e o mais curioso é que, quase a atingir as seis dezenas de anos, ainda não aprendi e ainda deixo que entrem na minha vida e me ponham a limpar a confusão e o lixo que arrastam, saindo depois livres, limpas e de consciência leve, deixando-me o estrénuo trabalho de limpar e voltar a organizar os espaços que ocuparam dentro de mim.
Técnico de salubridade e resíduos de “anima”, é o que sou. Sem recompensa. Sem reconhecimento. Trabalho duro, sujo e mal pago.
Mas chato, mesmo chato, é depois de me deixarem o lixo e todo desarrumado, saírem com ar “blasé” e olhar reprovador dizendo que eu é que sou um gajo complicado...
Ah, pois... Sou são, grita o louco. Ai! Sou louco, grita o são.
Haverá por aí alguém com a dose certa de loucura?
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