Penas em casa dão azar, dizia a minha bisavó com a sabedoria popular curtida
nas terras de Viriato, minhas por adopção já que, como lisboeta, nado e criado,
sempre fui um sem-terra e gosto de matutar nas minhas origens celtas.
Porque razão as penas dão azar foi assunto que nunca tive oportunidade de questionar
a minha bisavó. Nem valeria a pena (tratando-se aqui, obviamente, de outro tipo de pena).
Para mim há tanta coisa em que poderia acreditar dar azar, se por qualquer razão acreditasse
num determinismo de que o azar fizesse parte, que suspeito não haveria sabedoria popular
que fosse suficiente para tão vasto manancial a transmitir pelas gerações.
Convenientemente limito-me a aceitar e, implicitamente, fazer a minha vénia a essa sabedoria.
Penas dão azar, atravessar as estradas sem olhar em ambas as direcções ou cair de um
décimo andar também.
E porque razão escrevo isto?
É uma boa pergunta. A resposta nem tanto.
As minhas palavras, por pobres e desadornadas que sejam e de discurso descoordenado,
não têm destinatário. Têm destino. O que é coisa substancialmente diferente.
Não se dirigem a ninguém a não ser talvez a ti, porque tu não fazes parte da multidão mas,
não o fazendo, fazes parte de mim. E fazendo parte de mim não há destinatário q.e.d...
Resta a função que cumprem, o tal de destino. Muito sobrevalorizado.
Mas escrevê-las, só por si, não cumpre esse destino. Elas existem em mim, selvagens
e irreverentes por vezes, lamechas, dramáticas e incoerentes outras vezes, e alegres
muito de vez em quando (o que não deixa de ser estranho porque até sou um gajo que passa
a vida a dizer larachas - idiotas, de acordo com a minha filha).
Portanto, analisando de um ponto de vista semiótico, sinalagmático e de circunlóquio,
escrevê-las é só tornar sólido o que é etéreo. Solidificando-as são reais, ganham força
dentro de mim, como se me olhasse ao espelho. Vejo-me com os olhos que escrevi.
Por vezes não gosto de me olhar, é certo.
Quanto ao seu destino, propriamente dito, isso é mais simples, é apenas perderem-se
porque nasci perdido.
Se as achares perdidas, avisa, pode ser que, se quiseres, ainda haja tempo para mudar o meu.
Penas em casa dão azar, como dizia a minha bisavó.
E assim, tergiversando, evitei falar de ti.
Mas gosto-te, sem penas...
Rui, no Brasil já ouvi também muitos ditados populares, mas nenhum sobre que penas dentro de casa dão azar. Achei muito interessante!Tanto o ditado como seu texto.
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