quarta-feira, 26 de março de 2014

No teu caminho ninguém sobrevive


Há muitos caminhos
Escuros improváveis
Sem fim ou sem saída
Secos gelados cortantes
Inundados de barragens sem saliva
Cobertos de pó pulsando nas veias
Brilhos áureos de um doce macio na ponta da língua.
E a alma desenquadrada da lua
Cortada às tiras pelos teus dedos
Serpenteando por entre as farpas de lenhos velhos
Toma-se de cansaço.
Invadida por miríade de vazios sem olhos.

Conquistei na vida o absoluto e terrível nada.
Se me faltam pés para trilhar
Mãos para prender
Que interessa a estrada
Na viagem que termina?

Que os nossos caminhos não se voltem a cruzar
Porque plantas no teu 
Troféus despedaçados
E nele não sobrevive ninguém.


And I talk to the wind...


terça-feira, 25 de março de 2014

António Variações - Canção de Engate


A solidão tem destas coisas.
Aquela que dói mais.
Quando estamos perante nós mesmos.
Sem máscaras, sem disfarce, sem perdão.
O vazio.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Presente e passado... ou as idiossincrasias do googlemaps...


Unindo as duas margens do Rio Aulne, perto de Le Faou e a poucos quilómetros de Brest, na Bretanha francesa ou armórica, existe uma ponte, a ponte de Térénez.

Uma ponte suspensa, parecida com a ponte sobre o Tejo, mas mais curta, e com apenas uma via de trânsito em cada sentido.

Passei por lá algumas vezes, a última em 2009, vindo de Sizun e Le Faou, para ocasionalmente ir a Brest, nas minhas peregrinações anuais ao festival intercéltico de Lorient.

Por isso fiquei curioso quando li que essa ponte de 1952, que substituiu outra, de 1925, demolida pelos alemães na segunda guerra mundial, começou a ser “desmontada” por estar em risco e ter sido construída outra ao lado, especialmente bonita, suspensa e em curva.

(ponte antiga de Térénez, já a ser desmontada)

E a curiosidade levou-me a procurar no googlemaps a estrada em causa para a percorrer, virtualmente, passando pelas duas pontes antes que desmontem a mais antiga e a retirem do googlemaps.

E foi assim que entrei na “twilight zone”, ou melhor, na “twilight Google”.

Subitamente, vi-me no presente e no passado.

Na verdade, ao cruzar a ponte nova podemos avistar a ponte velha. Mas, ao dar a volta na estrada para entrar na ponte velha, a ponte nova desaparece e está apenas em construção.

Coisas que só o Googlemaps nos proporciona…

Ora vejam...

Percorrendo a estrada nacional D791 vindo de Le Faou, entrando pela ponte nova. À direita, a ponte velha, por onde vamos passar a seguir, virtualmente...

(imagem retirada do googlemaps)

Chegando ao fim da ponte nova, virando à direita, entramos na nacional D791, pela ponte velha. Olhando para a direita, a ponte nova, por onde acabámos de passar, não existe, está apenas em construção... Upsss...

(imagem retirada do googlemaps)



sexta-feira, 14 de março de 2014

Coisa nenhuma de disparate diário

Desculpem-me, estou sentado
Estas mãos já não sustentam alma nenhuma
Perdida toda a radiância é agora só castanho-nicotina.
Desculpem-me, já não cumprimento vossas excelências
Principalmente a ti, perdida na elegância kitsch da felicidade entaipada
Um dia surpreendida pelas necessárias e dispendiosas obras de requalificação.
Desculpem-me, acabou o botox na mercearia dos sentidos
O perdão e a santidade do casamento ficará para depois.
E a vida corre mansa e pontiaguda.
Acabaram-se as promoções.
Depressão.
Alucinação.

terça-feira, 11 de março de 2014

Cão danado

É de noite a noite para a noite.
Apanha-me desprevenido apenas levemente humano.
Dissolvem-se em gotas de água e sal
Restos da minha humanidade
Neste prato numa mesa que ninguém levanta
Fumando um último cigarro
À espera.
Nesta luta imemorial entre a noite que é noite
E a noite que é dia
Os meus cabelos deixam traços e abraços
Como cão danado de garganta abafada
Sufocado com a trela imberbe do cansaço.
Esvoaçam arfando os dias.
Não há rasto da estrela maior que prometi
Aquela que aquece os pés disformes das noites que começam.
Apenas ressona a lua nauseada num bocejo prateado
Zumbido que não deixa adormecer.
Quimera.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Devia viver na época em que as flores se moviam

Devia viver na época em que as flores se moviam
E arrastavam de um lado para o outro a sua bagagem
E o lixo eram colares e brincos aos seus pés
Derretidos na excruciante fornalha do olhar.

Devia viver na época de todos os sóis
Rastejantes turbulentos truculentos
Explodindo em tempestades coloridas
E o sexo era apenas enfeite em árvores enjeitadas.

Devia viver na época do desacordo
E os passageiros da paciente impaciência
Emigrados no deserto mais mirífico
Afogados em golfadas sedentas de afago.

Devia viver na época da normal conveniente loucura
Num íman de dedos engalfinhados num provir de indolência desajeitada
Pés bem assentes na parte de trás do cérebro
Matando a gárgula que há em mim.

Devia viver na época de acreditar na insana deidade
Dançando no crepúsculo do fracassado devir
No limiar da pretensa e improfícua realidade
Sonhando cascatas e rios onde deverias ter podido existir.