segunda-feira, 26 de maio de 2014

Não há morada para a raiva




La chambre de Van Gogh à Arles, 1889
Musee d'Orsay, Paris


Há uma porta que não abre nem fecha
E que não leva a lado nenhum
Há uma escada que não sobe nem desce
E não serve de passagem
Há uma janela de vidros baços
Sem paisagem e sem ar
Não há nenhuma casa que sustente esta ilusão
Não há morada para a raiva
Cama onde se deite a esperança
Parte de um projecto sem nome
Que fazia parte do tempo e nunca chegou a partir



quinta-feira, 22 de maio de 2014

Passados II



Nada

11 de Abril  de 2013

Vens a meio da noite
Com asas de murmúrio
E incerteza de veludo
Ressoando levemente
Os teus passos no meu sangue
Vens a meio da vida
Com magia de milagre enjeitado
Deusa no altar de seda dos meus dedos
Vens dona e senhora
Dos canaviais que florescem
Na humidade deserta dos meus olhos
Vem
Sou ar e terra
Mar e horizonte
Vem
És árvore e sol
E eu não conheço mais que o nada




Quadro:
Old Man in Sorrow (On the Threshold of Eternity) 
Vincent van Gogh - 1890


Zéfiro

26 de maio de 2013




Se pudesse seria assim como Zéfiro
Soprando suave anunciando-te uma primavera
Despojada de ervas daninhas assolando a terra fecunda
Se pudesse seria um tempo
Criado expressamente
No desconhecimento das palavras mais frias
Onde nunca seria pronunciada a tristeza

terça-feira, 13 de maio de 2014

Somos assim como o vento

Por vezes parecemos aquilo que não somos
E somos anjos a voar como peixes
que se divertem num céu sem água
(talvez se aprendessem a cantar
te pudessem oferecer outra canção).
Somos assim como o vento
- eu sou, e apareço e desapareço como o vento -
arrasando campos e aldeias
sem a piedade fugidia dos meus dedos.
Ou como o tremor que agita a garganta
de um grito sufocado da terra
sepultando os vales onde parei
nivelando docemente as montanhas
apertadas nos teus braços.
Ou como o fogo que brota exultante
banhando os sentidos dormentes
e ensombrando com o seu calor
aqueloutro do sol.
E no fim descendo ao fundo dos segredos
que nunca me foram revelados
aceito resignado as cinzas de nenhuma fénix
cobrindo de pó o que resta do meu mundo.
Apareço e desapareço.
Talvez nunca pareça
ou venham a conhecer aquilo que sou.

sábado, 3 de maio de 2014

Caminho

Tragam-me o vinho que me embriague
Flores para perfumar o que habito
As cores do céu para me tingir e vestir do nascer ao pôr-do-sol
Os sons das aves sem destino.
Porque sou assim 
Com esta estranha forma de amor colada ao corpo.
Porque não deixa de ser amor este cansaço.
Repetem-se as manhãs amordaçadas
E para lado nenhum é o caminho.



sexta-feira, 2 de maio de 2014

Passados I

Perfunctório

15 de Junho de 2011
Não sei quem és. Mas é para ti que escrevo.
Tu que prevês o nascer das manhãs com as impressões digitais únicas da vida cravadas na tua pele exaltada pelo sol.
Não sei quem és. Mas é por ti que escrevo.
Nas noites que antecedem o tumulto do silêncio e a ficção do futuro no amanhecer que vês e eu para mim invento sem sucesso ou surpresa.
Não sei quem és. Mas é de ti que escrevo.
Sentindo a dor de outras dores em óleos que pintores mortos espalharam nos campos feitos telas ao som de cores e vibrações que queriam mas nunca conseguiram entender.
Talvez te encontre nos rios sem nascente nem foz, sem margens nem correnteza.
Talvez me encontre quando já não precisar de saber de ti
e a memória do tempo já não precisar de saber de mim.

Caçador

21 de Maio de 2011
Sementes
lançadas bem alto nos céus
para que raízes pudessem dar fruto
nas nuvens mais altas.
Um desígnio recheado de memórias
viajando no âmago de estranhos mascarados
de futuros apocalípticos.
Quando nasci não me deram nome porque possa ser chamado.
Não me deram a esperança
de crescer nas tuas mãos.
Fui pelos caminhos sem glória
presa fácil do destino
disfarçado de caçador.

O verso em mim

24 de Maio de 2011
Eu não escrevo para vós
não quero saber se me lêem.
Rasgo as palavras vazias nas paredes nuas
cárcere dos meus olhos.
Que é feito do meu corpo?
Já não reluz nas madrugadas adiadas.
Que é feito dos teus lábios fechando-se sobre os meus?
Tenazes sem perdão lançadas nas paredes vazias
onde releio sem cessar os meus versos nus
mãos viajando em círculos virtuais de estranha psicose
desenhando janelas que nunca abrirão
corroídas por olhos abertos
presos no cimento frio.
Não escrevo para ninguém
nem quero saber se me lês.
Dentro de mim colo os pedaços rasgados
das palavras do poema que não sei escrever e nunca ouvirás dizer.