sábado, 21 de junho de 2014

Veneno

Por vezes lembro-me de ti
Com a mesma leveza infalibilidade e indiferença
Com que a terra vê a chuva desvanecer-se
No odor da manhã
Deixaste de ser o templo
No qual espreguiçava o meu corpo
Em orações ímpias perdidas no tempo
E na monotonia profana do teu coração
Por vezes lembro-me de ti
Como um ácido ou veneno
Corroendo o que sobrou de mim

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Passados IV


No tempo em que as nossas almas não tinham forma

12 DE SETEMBRO DE 2009



No início dos tempos, ainda a terra era apenas um projecto nas mãos de deuses desconhecidos e sem nome, as nossas almas não tinham forma.
Vogavam ao sabor daquilo que um dia se veio a chamar brisa, num imenso vazio azul (embora a noção de azul não existisse ainda).Não existia princípio nem fim, e éramos apenas sentir e sentimento.
Não havia dor, partida, separação... não havia tristeza.
E estávamos certos que seria assim para sempre, juntos e completos.
Não queríamos que fosse diferente.
Mas à nossa volta os mundos formavam-se.
De início massas indistintas em ebulição, vapores, trovões, raios...
Tudo demasiado distante para nós que nem sequer sabíamos o que era "preocupação".
De repente, tomámos consciência da vida. Tomámos consciência um do outro.
Foi nessa altura que fomos postos à prova.
Saberíamos experimentar essa coisa nova chamada "vida" sem nos perdermos?
Saberíamos reconhecer-nos mesmo depois de separados?
Seria essa força que nos juntou suficientemente forte para nos voltar a unir?
Foi nesse tempo que aprendemos o que era o verde que pintava as montanhas, aprendemos o que era o azul líquido do mar.
E como quem vai a um baile de máscaras, vestimos a nossa alma.
Tu mulher, eu homem.
Cada um de nós, parte do que sempre fomos juntos.
E partimos. Em direcções diferentes, jurando e prometendo que o que nos unia era mais eterno do que todo o tempo finito que estivéssemos perdidos um do outro.
Jurando e prometendo que nos voltaríamos a encontrar, porque era esse o destino, como dois ímans que se atraem...
Inventámos o amor.
E foi assim, com a separação, que a vida começou.

Passados III

Vivo de sombras

25 de Abril de 2011 

Entra.
Senta-te.
Pode ser naquela cadeira onde nunca te sentaste, perto de mim.
Ainda tenho tempo para te falar, tomar um café, fumar um cigarro e para te ouvir.
Os teus olhos, nunca os vi assim, tão transparentes e brilhantes.
Talvez porque das outras vezes que vieste não perdeste tempo comigo, vinhas por outras razões, vinhas por gente que amei.
Hoje, vens por mim, e eu vesti a minha melhor roupa. Deitei-me, imóvel, à tua espera, como se antes a Górgona Medusa tivesse passado por aqui, antes ainda de Perseu a matar, antes ainda de Pégaso nascer do seu sangue derramado.
Sabes, o dia acabou, sempre igual, e a noite chegou. Como sempre, sem nada para fazer.
Cansado de estar aqui a rabiscar em papéis, a sonhar. Por isso tenho tempo para conversar e te conhecer melhor.
Entra.
Senta-te.
Diz-me como vai ser o futuro, já que vens das terras sem tempo.
Antes de ir a qualquer lado contigo, quero saber.
Há música de onde vens? Sol? Chuva? Sentimos o vento na nossa cara?
Entra.
Senta-te.
Não me beijas? Tão séria e branca. Tão distante.
Vamos então, faz-se tarde, o dia nasce.
Não tenho malas a fazer.
Tudo o que tenho transporto nos meus braços e mãos.
E as sombras não têm peso.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Tradições



Não há "honra" em nenhuma tradição bárbara, seja ela qual for, quer o objecto dessas tradições seja a vida e o sofrimento humano, quer seja o sacrifício, tortura e sofrimento de animais.


Luta de galáxias


Luta de galáxias, a que nós não assistiremos...
Seremos pó muito antes disto acontecer.
Os nossos deuses e as religiões, tudo o que inventámos para nos entreter e nos fazer importantes no universo, terá desaparecido.
A lembrança da terra será igual à recordação que temos de um único grão de areia numa praia.
E no entanto...